domingo, 30 de junho de 2019

Cap. 7 - A dimensão da quarta

Em que a normalidade
mostra ser apenas fachada 
e o diferente se mostra normal.



        Uma quarta-feira aparentemente normal. 

Odete, recursos.
Quem observasse Paulo e Odete diria que o casal vivia uma fase normal. Paulo foi normalmente para o trabalho naquela manhã. Odete ficou em casa, dando umas ordens normais à empregada. À tarde, se encontraram de passagem, trocaram umas palavras. Paulo veio pegar uns documentos. Odete saía para o dentista. De noite, cada um no seu canto. Ela vendo a novela e alguns filmes na TV. Ele acessando a Internet, checando cotações das ações e novas oportunidades para a empresa. Na hora de dormir, um desencontro normal. Ele deitou mais cedo, ela ficou vendo o Jô. Quando ele foi ao banheiro, ela roncava baixinho. Quando ele saiu, ela ainda dormia.
Normal. Tudo normal. Não fosse pelo fato de, este tempo todo, ambos só pensarem em uma única coisa. Aliás, em uma pessoa, a mesma pessoa...
Alberto não seria de todo mau caráter. Na própria opinião, não era mesmo... Nem ao menos ambicioso. Apenas acreditava na solução de qualquer problema. E não se prendia por demais a impedimentos morais. Nesta quarta, encarou o trabalho normalmente. Para quem só conseguia pensar em sua nova paixão, não era assim tão chato...
A proposta que fez a Paulo podia parecer insensata. Mas era pragmática. Não sentia arrependimento e sim satisfação, por ter corrido o risco. Cinquentão bem conservado, figura agradável, um certo ar de abandono recuperável, que barba e cabelo grisalho lhe davam, um tom suave mas malicioso na fala, essas coisas que agradam às mulheres, achava que as complicações afetivas eram controláveis e, por que não dizer?, manipuláveis. 

Alberto, lembranças.
É bem verdade que nos últimos tempos sua cama fora um deserto. Por um lado, uma entressafra de mulheres maduras, uma questão sazonal, uma espécie de azar sexual continuado que lhe atingia... De outro, a anti-propaganda. Aquela história de ser chamado de tio pelas mocinhas, aqueles risinhos debochados... Culpa da TV, sabia muito bem de onde tiravam o exemplo.
Restavam as balzaquianas, essas, mais difíceis... Mesmo as frustradas no casamento, com maridos enlouquecidos pelos negócios em crise (todo tipo de negócio...), mesmo essas, eram muito exigentes. Todas queriam um ídolo, um Chico Buarque, um Tom Cruise para amar... Não um Alberto qualquer. Não bastava o conteúdo, a experiência. Queriam também a forma e, ainda mais, a fama. Ou então, se descasadas, carregavam atrás de si (e lhe passavam às mãos...) uma penca insuportável de filhos.  
        Foi nesse impasse que aparecera Odete. Falava demais, como todas, mas valia o esforço. Ou pelo menos preenchia bem o buraco. Ou vice-versa, de preferência... Primeiro, porque tinha o famoso tesão recolhido. Anos e anos de cama sem chama. Fogo morto o marido... Ela, que devia ter vibrado de paixão na juventude, agora via murchar o desejo de Paulo e o dela escorrer pelas noites sem sono... Este entusiasmo por Alberto podia ser o canto do cisne, mas... E se o cisne cantasse uma ópera? Alguns anos de ópera?
Ela, lembrou, cheia de planos românticos... Só faltou falar numa casa no campo, meus livros, seus discos... Louca para deixar o marido. Quase comovente, não fosse tão pouco prática...      
Alberto sabia de suas limitações. O investimento era alto. Se não tivera condições de encarar um casamento quando jovem, imagine agora, chegando à aposentadoria... Mas bem que Odete poderia ajudá-lo a achar uma arte, um negócio qualquer que desse para faturar algum... Sim, mas, antes disso o mais provável é que iriam à bancarrota. Faltando dinheiro, iam brigar. Brigando, ele seduziria logo outra, sua forma mais eficiente de obter equilíbrio emocional... Aí, já era!... Odete iria embora, talvez de volta para o velho Paulo. Uma oportunidade perdida.
Em suma, não era uma boa estratégia... A solução estava em testar uma nova possibilidade. Tinha que acreditar que eram realmente civilizados, que podiam viver de forma mais moderna, que tinham capacidade de aproveitar as oportunidades do momento. Mais ou menos como ensinava o curso Pequenos Empreendedores, que tinha feito no Sebrae... Já falara com Paulo, agora era a vez de Odete. Tinha que ser no dia seguinte, quando ela viesse à sua casa. Talvez pela última vez, se não fosse convincente...
 
Triângulo, amores
    Realmente, uma situação muito instável. Precisava criar, para os três, um ponto de encontro, uma convergência, um interesse comum. Desenvolver esta possibilidade no tempo, abrir uma quarta dimensão, fazer durar no futuro estas novas conquistas. Tirar a situação do áspero chão dos rancores e levar para um nível superior, um nível, talvez, espiritual... 
Eis a questão: teria o triângulo Alberto-Odete-Paulo potencial para se transformar em uma estrutura, em particular, autossustentável?
Ou em, digamos, uma pirâmide esotérica?...

Nenhum comentário: