Em
que, após o susto,
têm-se estranha proposta
têm-se estranha proposta
por
quem não sabe de nada.
"Paulo... É pra você, querido. Diz que se chama Alberto. A respeito de sua mulher, aquela..."
Ficou
irritado: "D. Maria Regina, já lhe disse! Nada de intimidades no trabalho!...
Quem é esse Alberto? O que ele quer?"
A secretária
aliviou: "Desculpe, Dr. Paulo. Ele só disse isso, que era sobre D. Odete.
Vai ver, alguma dívida..."
Não deu
importância à ironia. Não costumava dar confiança a funcionários, muito menos
às que aceitavam lhe servir na cama.
Para ele, praticamente uma relação trabalhista. Tinha pensado nessa ideia:
como seria, neste caso, um Fundo de Garantia por Tempo de Serviço? E uma
Aposentadoria? Talvez já tivesse aplicado, alguma vez, alguma Demissão por
Justa Causa...
Odete...
O trabalho afastara a decepção que sentira. O que ela dissera, a certeza da
traição, o desprezo, tinham sido seus companheiros à noite. Quando saiu, às
sete, Odete não tinha chegado. Não seria louca de ir embora de uma hora para
outra, para sempre. E agora, esse Alberto... O que seria? Alguma joia que
ficara sem pagar? Odete só fazia bobagens. E cada vez piores...
"É
o Paulo, marido da Odete? Meu nome é Alberto. Você me viu no Mistura Fina no
sábado, e no domingo na praia. Queria propor uma conversa."
Surpresa
total: "Ei, que atrevimento é esse?... Que cara-de-pau!... O que é isso? O
que você quer?"
Alberto,
diplomático: "Calma, precisamos conversar. Mas, não por telefone. Podemos
nos encontrar no início da noite? Numa boa!... O que tenho a falar sobre Odete vai
lhe interessar..."
Paulo reconheceu calma na voz de
Alberto, a curiosidade dominando a indignação... De qualquer modo, não sabia
mesmo como resolver o problema, nem mesmo sabia de tudo... Resmungou, ameaçou o
normalmente esperado nessas horas e aceitou o encontro. Pelo menos, se
garantia, era bom negociante...
Odete, quando acordou ao lado de Alberto
nesta terça-feira, sentiu que ele faria parte de sua vida para sempre. Uma
parte nova, recém aflorada, como uma ilha que um vulcão cria no mar. Lembrou-se
dos documentários da TV, nas noites solitárias. Lançou-lhe um olhar carinhoso e
sorridente: "Meu querido Krakatoa...".
Quando ele saiu para a repartição, às
onze, Odete voltou para casa. O sono da
madrugada, que reparou o desgaste do corpo, esvaziou sua mente. Os planos da
véspera ficaram nos sonhos do encontro. Uma ressaca, mas sem gosto ruim na
boca, talvez uma certa dor de cabeça... Agora, não tinha saudades nem planos, como
se passasse uma borracha em sua vida escrita a lápis. Ia começar outra vez. Mas,
nem por isso estava alegre. Talvez não soubesse viver esta outra vida... Entrou
em casa, ligou logo a TV.
![]() |
Bar Lagoa, garçom |
Para Paulo, a varanda do Bar Lagoa tinha
história, desde os tempos da juventude transviada e até o das gatinhas da
faculdade ao lado. Mas nada em relação a Odete. Por isso aceitou a sugestão de
Alberto. Ao chegar pediu logo um uísque caubói. Tinha que estar preparado pra
tudo...
Alberto chegou tranquilo. Parecia ter
tido, na vida, um encontro desses por semana. A conversa, no início, não foi
propriamente fácil. Paulo acusando Alberto de aproveitador, oportunista,
mau-caráter... Alberto mostrando a Paulo sua incompetência, calhordice,
desatenção para com Odete... Uma típica luta de machos, pretensamente
civilizados, em disputa da fêmea. Aos poucos, cansados de bazófias e ameaças, com
mais umas rodadas de uísque nas ideias, a disputa descambou para uma conversa
típica de bar. Mais tarde, algumas confidências puderam ser ouvidas, deixando
ainda mais mal-humorados (com toda razão!...) os históricos garçons do Bar
Lagoa.
No
final, lá pelas tantas, o golpe de mestre, a estocada final do desafiante
Alberto (a esta altura, meio cúmplice...) que deixou Paulo mais confuso do que
chegara. "Vamos dividir Odete entre os dois!", propôs, quase
triunfal.
![]() |
Odete, na TV |
Odete, a esta hora ainda em frente à TV,
se sentia dividida... Por um lado, os
velhos hábitos e as garantias de Paulo, o cobertor emocional que carregava há
tanto tempo. De outro, as novidades e os prazeres de Alberto, a redenção de um
amor esperado, ainda não tardio de todo, apesar dos riscos...
Odete era a terça parte de um triângulo
amoroso. O ângulo obtuso. Um vértice aberto, receptivo. Mas, dolorido. A parte
mais fraca.
De certa
maneira, Odete, que desencadeara as forças em jogo, estava agora à parte das
decisões do destino...
Um comentário:
Comentários da postagem original:
Guina, ainda não li mas já gostei! Abraço, Ana Rowe
Boa! Bjs, Fabrizia Granatieri
Postar um comentário