Em
que a paixão dá lugar
a
uma surpreendente proposta,
que,
criando mágoas, traz um bem.
Na quinta-feira, Odete acordou ansiosa
por Alberto. Saiu de casa antes das dez. No caminho, ainda sem intimidade, foi
ficando meio sem graça: leite morno... Quando chegou, foi bem recebida, com
tesão: café quente... Aos beijos, bules e xícaras se misturaram, se fundiram:
café com leite.
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Alberto, reforço |
Brindaram ao desjejum amoroso. Gole a
gole, o fim da dieta forçada. Agora, era só manter a linha... Mesmo assim,
gulosos, repetiram a dose.
Mas não o dia todo. Alberto tinha
compromissos. E, também, uma missão: "Fique o tempo que quiser... Vamos
nos ver à noite?... Eu ligo. Ah, convidei uma pessoa para conversar conosco. Temos
uns assuntos a tratar. E esta pessoa tem a ver..."
Não deu mais explicações. Odete percebeu a
sua impaciência, a pressa de sair, como se a repartição dependesse dele para
funcionar. Esquivou-se. Na porta, cabisbaixo, disse apenas: "Confie em mim.
É necessário".
Odete ficou à vontade pela casa. Escolheu
um B. B. King, entre muito blues e jazz, e recostou-se no sofá. Lembrou do
primeiro encontro. Uma loucura, o sexo, o vinho... Riu, mas a lembrança a
deixou nervosa. Falara demais. Uma mulher normal, qualquer uma, não proporia
viver junto no primeiro encontro!... Podia pensar, sim, mas, dizer... Só estando bêbada, carente ou estupidamente
feliz.
Já que fora exatamente assim que se sentira
naquele dia, deu de ombros. "O amor não tem prazos nem culpas",
lembrou dos cadernos de poesias da adolescência. Mas sentiu que Alberto sentiu.
Agora queria um estranho encontro com alguém, talvez para ajudá-lo a definir a
situação... Via-se nele, e pelo próprio apartamento, um lado inseguro e
ingênuo. Bem canceriano... Dificuldade de dividir a intimidade. Falar em vir
morar com ele, então, foi demais...
Sentia-se bem ali, imersa na relação e na
vida de Alberto. Mas preferiria tê-lo em seu próprio ambiente. Se pudesse
levá-lo para casa... Tinha que reconhecer, não gostava de mudanças. Taurina,
signo fixo, teimoso, ainda mais com ascendente virgem, meticuloso, acomodado,
seu ideal era trazer para o cotidiano as novidades e fazer logo da novidade uma
parte do cotidiano. Estava consciente disso, não tinha feito o mapa astral à
toa... E não por acaso ficara todos estes anos com Paulo...
Alberto, mal chegou ao trabalho, ligou
para Paulo: "Falei com ela. Vamos conversar ainda hoje?".
Paulo detestara a proposta. Pior era a
possibilidade de perder Odete de uma vez por todas, desorganizar toda sua
retaguarda caseira, ver seu casamento ir à falência. E que os outros vissem
isso. Propôs o Mostarda, na varanda, bem no início da noite, antes da chegada
dos turistas: "Vamos lá. Vamos tentar logo um acordo..."
Quando chegou, Alberto parecia agitado.
Discutia com o garçom, queria trocar de mesa. Deixou Paulo um pouco nervoso. Esperava
que ele administrasse a situação. Afinal, foi ideia dele. Tomaram uns uísques. Do outro lado das
pistas, a calma da Lagoa. "Será que ela vem?", perguntavam, cada um
para si, enquanto falavam de futebol.
Quando a lua, lâmina, saiu das nuvens,
encontrou o Cristo de braços abertos. No rastro da lua na Lagoa, Odete saltou
do táxi. De vestido prata. Quase tão linda quanto a lua, mas muito mais jovem.
Se ficou surpresa, sumiu na palidez da maquiagem... Os dois lhe deram as mãos
ao sentar. Firmou-se numa postura altiva, mas acabou traindo o nervosismo:
"Afinal, que ideia maluca é essa?...".
Ouviu, mantendo a
pose, os planos de Alberto. Que ela continuasse morando na casa de Paulo,
conservando seu status, suas
amizades, os confortos de tantos anos. Mas, com a certeza deste novo amor, da
sua disposição de fazê-la feliz, embora lamentando a impossibilidade de
sustentar uma vida em comum. E ouviu as ponderações de Paulo, que a respeitava
pelo passado, sempre companheira, que não deixava de valorizar a história
vivida em comum, que reconhecia, como cavalheiro, seu direito de amar Alberto. E
que se disporia a sustentar o relacionamento formal, com suas vantagens no convívio
com a sociedade, evitando, assim, mudanças no estado civil e mais, ele
esperava, no estado de espírito. Mantendo-se neste alto nível, a relação
atingiria sua quintessência, a sua forma ideal.
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Odete, saindo |
Um táxi trouxe um casal e se foi com Odete,
no rastro da lua. Os dois, de braços abertos, ficaram para trás...
Foi até a praia de Ipanema. Sentiu no coração
o gosto do mar, lágrimas na água de coco. Por muito tempo ficou ali, o coco na
mão, o gosto de sal, os olhos no mar. Até que o destino tocou a buzina. No
carro, parado na pista, uma mulher sorridente, sua velha amiga aventureira, a
que rodara o mundo, a recém-ressurgida Laura.
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Odete, lágrimas |
Contou-lhe tudo, como se vomitasse não a
água de coco, mas as lágrimas e as dúvidas. Laura, prática, absorveu o
desabafo, ofereceu todo seu apoio: "Calma. Vamos lá pra casa. Você dorme
lá esta noite. Amanhã, descansada, relax,
você decide."
Odete não tinha certeza de nada. Nem forças
para recusar o convite. Quando Laura pegou sua mão, lançou sobre ela um olhar
úmido, que brilhou no seu rosto sem cor, na maquiagem borrada. Uma espécie de
apelo. E deixou-se levar.
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