Em que o novo do amor se impõe:
um lado assumindo o comando,
um lado assumindo o comando,
o outro buscando saídas...
Segunda-feira, dia útil. Odete acordou cansada mas completa. Resolveu agir. Precisava avançar, dar um passo além da porta. A felicidade não morava mais ali, há muito tempo... Sabia aonde encontrá-la. Ligou para Alberto.
Paulo saíra cedo,
como sempre. Precisava de um tempo, não era um jogador de alto risco. Tinha que
estudar, entender a situação. Tudo há tanto tempo tão estável naquela casa...
Não diria tranquilo, mas que continuasse assim era tudo o que queria. Não era
bom nessa de administrar confusões sentimentais, ainda mais as próprias. Já o
caso com a nova secretaria, por exemplo, não lhe causava qualquer sobressalto.
Entre as mulheres disponíveis, posto que havia mesmo que escutá-las, preferia
as secretárias sonhadoras. Operárias, só em último caso. Ver Odete assim, apaixonada
como uma mulher comum, isso assustava um pouco...
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O prédio de Alberto |
E era mesmo assim
que ela ia ao encontro de Alberto. Se Ipanema não era mais aquela, diziam, ela
ainda enxergava nas ruas o espírito da velha bossa-nova. Como se pudesse de
novo encontrar Vinicius, ele que um dia, da mesa do Jangadeiros, piscara o olho
para a então garota de Ipanema, Odete. Em vez de décima mulher do poetinha, a
mulher de Paulo, o antipoeta, seu único marido.
O peso que dava a tais valores, fora os
valores que Paulo acumulava, é o que a mantivera tanto tempo neste ultrapassado
papel. Mas precisava mudar, tinha que mudar!... Já dizia a máxima natureba:
"o hábito faz a doença". E Paulo, de uns anos pra cá, decididamente a
deixava péssima... E ali estava, na Vinicius, no apartamento de Alberto. O que
não era pouco... Um daqueles prédios de três andares, também contemporâneo da
bossa-nova. Talvez algum sucesso tivesse sido composto ali, naquele chão de
tacos axadrezados em que rolava agora com Alberto...
Enquanto rolavam no
chão, no sofá ou na cama, Odete ia inventariando o território. A sala,
naturalmente simpática, o sol entrando pelos janelões. Sofria de excesso de
móveis, absolutamente irreconciliáveis entre si. Assustadora variedade de
estampados, em almofadas encardidas... Encolhidas num canto, plantas sedentas pareciam
implorar pela faxineira semanal. Da estante, uma mistura incompreensível de
fios, livros, CDs, som e TV, que assustava. Mas que, ao menos, se diria
multifuncional...
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Apê de Alberto, decoração |
No quarto, por cima dos móveis, espalhado
pelo chão, o caos... Pela porta meio caída do armário, confirmou o caos
interior. Se abrisse a gaveta da mesinha
de cabeceira veria uma espécie de sala de troféus: brincos sem par, uma tampa
de batom, bijuterias baratas, uma espécie de enfeite de liga de dançarina de
cancã... No fundo, enroladinha numa
argola, uma calcinha.
Quanto ao sexo, talvez pela prática dele,
nada a reclamar! Não sentia prazer igual desde... desde a madrugada de sábado,
quando ela e Paulo... "Puxa, é a segunda em dois dias!... Depois de tanto
tempo..." Mas, a diferença era evidente. Paulo havia sido seduzido,
induzido a fazer amor, Alberto não. Aliás, Alberto amava com muita
facilidade... Envolvente, sempre um gesto à frente do desejo dela. Um amante
meticuloso, criativo. Tinha na cama a categoria que faltava à sua casa.
Odete, se alguma vez se sentiu em um sonho,
foi então... Amada por Paulo, agora não mais seu senhor e dono. Amante de
Alberto, este sim, seu novo herói libertador. Não conseguia conter o fluxo da
imaginação, que criava novos mundos e a afastava do real. "Querido, estou
tão feliz!", suspirou. "Ah, queria nunca mais sair do seu lado... Te
amar para sempre". Sentiu-se um
pouco boba, mas, pelo menos, sincera. Espalhou-se na cama, ocupando um espaço
que já lhe parecia seu.
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Odete, seus discos |
E pôs-se a desfiar, num tom abusado mas
romântico, as muitas coisas que fariam juntos, da ida à Europa às proezas
eróticas. E dos jogos na cama para as
mudanças no apartamento, que fariam logo depois que ela viesse morar ali, a
nova pintura nas paredes, a reforma do sofá, as cortininhas de renda, o
cachorrinho, a necessária máquina de lavar... Poderiam muito bem viver com a
pensão deixada por seu pai, militar, além do salário de Alberto, analista de
sistemas num ministério. Não era muito, mas logo o governo ia acabar com a
política de arrocho, ela também achava... Arrematou com uma declaração de
princípios: "Não vou trazer nada daquela casa! A não ser minhas roupas,
minhas joias, é claro. A penteadeira que ganhei de vovó, as taças de cristal, o
que mais?... Ah!, meus discos. Não vou abandonar meu João Gilberto!"
Alberto seguia fazendo "hum, hum",
apreciando os detalhes do bem conservado corpo de Odete, excitando os mamilos,
acariciando as coxas, mordiscando as nádegas, parecia concordar com tudo... Até
que, com um toque firme, mas carinhoso, bem no ponto e momento certos, que
deixou a desmilinguida Odete entregue, disse: "Acho que vou falar com o
Paulo. Depois me dá o telefone dele.".
Odete não estranhou. Não perguntou o porquê,
não quis nem saber... Achou muito
normal.
Neste momento, se dispunha a concordar com
qualquer pedido: "Sim, sim, depois te dou... Ai!... Continua, não para
não..."
Um comentário:
Comentários da postagem original:
Estou adorando “Odete nunca foi santa”! Você escreve muito bem! Tem humor, sensibilidade e um texto enxuto. As fotos entremeadas são lindas, ajudando a contar a história. Ler este folhetim é quase como ver um filme. Muito bom! Aguardo curiosa os próximos capítulos/fotogramas! Beijos Perla Nanchery. Como faço pra comprar “Rio de Amores”?
Muita gentileza sua, Perla. Gosto muito deste texto também. E adiante vai ficar ainda melhor, acho eu... "Rio de Amores" está à venda no Buriti Sebo Literário, clique no link para entrar em contato. Bjs, Guina
Valeu Guina1 abs Alcyr Cavalcanti
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