Em que o encontro do dia
antecipa o vazio da noite
e o primado das trevas.
O sol desce atrás do Dois Irmãos. Ainda assim, brilha na
noite do Rio. Odete agora prescinde do sol, brilha por si.
Alberto e Odete, no dia. |
Volta para casa, o olhar fixo em nada, olhos iluminando o
caminho. A fonte da luz é a lembrança de Alberto, o sorriso de Alberto, a voz
de Alberto, o corpo de Alberto, a descoberta de Alberto... De um desconhecido
grisalho de barba a um homem completo, um homem exato, um homem real.
Apenas algumas horas de conversa com ele e Odete é uma
nova mulher, uma mulher apaixonada. Lembrou do encontro na noite, a repentina
certeza, o sentimento ocupando seu corpo, a paixão fulminante. A árvore e o
raio. A valorização de sua imagem no espelho não fora casual. Era a percepção
preliminar do encontro. A sedução de Paulo na madrugada reafirmou sua
capacidade esquecida, o sexo reacendendo a chama da vida.
Paulo, à espera |
Paulo parece vazio por fora. Não responde. Se sente dor,
não grita, recolhe-se. Mas a tensão rasga o ar à sua volta. Aos poucos cresce
um tremor das entranhas e o terremoto sai pela boca: "Sua puta! Eu vi você
estatelada na frente do sujeito! Há quanto tempo vocês se conhecem? Que
história é essa?"
Odete resiste à pressão: "Calma, vamos
conversar..."
Explode o vulcão: "Que trepada foi aquela? Tava
pensando nele, é?...". A lava transborda: "Quer me sacanear? Me fazer
de palhaço?". E vai se resfriando: "Todo esse tempo juntos... Mereço
mais respeito!". Uma dura e ressentida crosta se formava...
Odete, líquida, tenta ficar fria: "Você não pode
falar assim..." Mas subiu-lhe uma corrente profunda e quente: "Você,
com suas putinhas da empresa, não tem moral para falar!". Subindo à superfície,
a água ferve: "Trepei com ele na cabeça, sim. Só te usei, como você fez
tantas vezes comigo."
Odete, vagando |
A conversa termina de forma banal. Vagos comentários sobre
pessoas distantes, eventos antigos, tarefas caseiras... O silêncio assume seu
posto. Na casa, circulam os fantasmas. Seus corpos pastosos ocupam os mesmos
lugares de tantos momentos, o ambiente volta a ser a mesma natureza-morta há
tanto exposta ao nada. A distância é de novo a medida de afeto entre eles.
Agora tudo isso é cenário... Ocupam a cena, nos palcos
interiores de cada, romances e dramas.
O programa não inclui mais comédias.
Talvez entre em cartaz alguma tragédia...
Um comentário:
Comentários da postagem original:
Prezado Guina Parabéns pelo magnífico “folhetim internáutico”. Novo gênero literário a enriquecer as mesmices da internet. (Teócrito Abritta)
Alô, Aguinaldo, li os 4 capítulos da Odete (que-nunca-foi-santa) de uma só tacada, e gostei demais! Só que de repente, querendo divulgar o folhetim, me deparei com o “blog removido”, como se o primado das trevas fizesse o caminho inverso daquele outro, famoso, assim saindo da história pra entrar na vida, sei lá... Apenas um problema técnico, espero. Será que Odete volta? HáBraços, Luiz.
Mais um bom livro da sua lavra, amigo? Parabéns!!! E l i s a R a m o s Fotógrafa / Jornalista
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