Em que um antigo amor,
seguindo assobios e dúvidas,
procura na noite a luz da manhã.
Paulo
tinha, há muito, certeza: comemorações deveriam ser feitas por até, no máximo,
cinco anos. Ou, para os mais heroicos, além de cinquenta... "No meio, não
é purgatório, é inferno", dizia. Tanto é que esquecera a data. Mas Odete
continuava registrando teimosamente a duração do fracasso. Agora, também esta
noite, Mistura Fina, merecia ser esquecida.
Sobreviventes,
esperavam a mercedes. O manobreiro volta a pé. "A droga da chave rachada,
finalmente quebrou", grunhiu Paulo. Aceitou de má vontade as
desculpas do gerente da casa. Pediu logo um táxi, a noite já estava velha
demais para ele...
Além de tudo não estava gostando nada do sorriso meio trânsfuga de Odete.
"Será que tem a ver com o grisalho de voz rouca? Será que ela ainda tem
desses frissons?" Olhou de lado, Odete entrava
animada no táxi. A noite resistia em seus suspiros.
O motorista assobiava na madrugada vazia. Paulo sentiu um pequeno esgar no
canto da boca. Claro, alguma coisa estava errada. Faltava a Odete aquele
alheamento de sempre. Que deitasse a cabeça em seu ombro, então, Paulo
realmente não esperava... Respirou mais forte o denso ar da Lagoa. Manteve a
fleuma, à custa do ombro bem rígido, desconfortável.
O táxi subia no assobio as curvas do Alto Leblon. Paulo, encolhido no canto,
cada vez mais sem jeito. Curva à direita, aliviava o incômodo. Curva à
esquerda, mais perto Odete chegava de seu coração engessado.
Chegou e subiu, rápido. Tirar a roupa e a náusea, trocar o sabor do passado por
um falso frescor, achar o caminho da cama...
Odete!...
"Que é isso, meu Deus?", quase lhe escapa o grito, no susto. Odete,
apenas calcinhas, à soleira da porta, mão no batente, braço ostentando o sutiã
pela alça, olhos safados, boca borrada, seios arfantes, quadris no compasso do
assobio do táxi...
Odete, à noite |
Paulo
a seguiu e até respondeu com afagos canhestros, numa espécie de reflexo, a seus
toques já íntimos. Deitou, foi deitado, deitaram... No escuro, mantinha os
olhos abertos. Sentiu reações pelo corpo. Odete não parava, com a mão ou com a
língua, ativando os sentidos em superfícies um tanto esquecidas. "Não vai
dar certo", pensou, estremecendo três vezes.
Paulo, de manhã |
Desistiu de explicar a si mesmo as mudanças de
Odete. Colou mais seu corpo no dela, empunhando um pouco da força de outrora.
Pensou em outra coisa, para ocupar a cabeça: "Até que o sujeito do bar, o
de barba grisalha, não era de todo antipático..."
A luz da manhã |
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O sol se levanta, invadindo o espaço
das sombras. Mas, sempre paciente parceiro da vida, se esconde por trás das
cortinas...
Um comentário:
Comentário da postagem original:
Belos textos, lindas fotos. Este é o senhor Guina. Fico a espera do terceiro. Cleusa Meurer
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