Em que se vislumbram, na névoa do bar,
possíveis conflitos e antigos amores,
possíveis conflitos e antigos amores,
não necessariamente nessa hora...
"Recheio de bar é dor"...
Paulo sussurrou, balançando discretamente a cabeça: "o poeta tem razão!".
Pisou
sem volta o derradeiro degrau e entrou no Mistura Fina. Quando a
fumaça subiu dos olhos à mente, duvidou: "Devo ter inventado esse
verso..."
Claro
que Odete não ia perder a desculpa do aniversário de casamento para
carregá-lo para algum lugar enjoado... Ele é que ficava enjoado nestas
datas desnecessariamente repetidas. Perguntava à memória: "quando mesmo
tinha acabado o casamento?"... E ela ainda comemorando o início, como se a
intenção valesse para sempre: a ilusão em vez da realidade.
Paulo |
Quando
ela foi ao banheiro ("toalete", ele detestava essas enganações
afetadas) Paulo olhou a escuridão. Conseguiu ver vozes no meio do burburinho.
Alguns vultos passaram da névoa à vida. Um sujeito de barba falava alto,
voz de barítono cansado. A loura chamava atenção, mas, o que lhe
importava?...
As
mulheres... Restava algum interesse por elas, embora lhe bastasse a
conveniência de um caso, com uma funcionária ou outra na empresa. Não
questionava mais o valor (ou o custo) daquelas conquistas. Apenas
exercitava seu poder de fazê-las.
A
voz do grisalho de barba ficara irritante. Se pudesse, preferiria
prestar atenção ao sax. Odete voltava, tentando se por empinada. "Um
pouco rodada, mas não está tão mal assim...", admitiu Paulo vendo Odete
parar, meio que interrompendo o caminho, olhando firme para o lado. Ela
pareceu estremecer, se não foi efeito do uísque. Abrupta, Odete quase
se derruba a seu lado.
Paulo
ouve o tilintar do gelo. O copo é frio, o suor também. "Esse ar está
forte demais", critica em silêncio, acompanhando o olhar agitado de
Odete, que encontra o mormaço do olhar do grisalho. Naturalmente Paulo
segura sua mão. "Está meio estressada", garante, "preciso dar mais
atenção à coitada".
Odete
gira a cabeça em várias direções, mas não acompanha o vai-vem dos
garçons. Seus olhos passam sempre pelo mesmo ponto. Paulo continua
achando o ambiente muito chato... É a loura agitada que muda a cena,
tentando agarrar-se a alguém. A voz do grisalho cresce contra ela. Odete
continua inquieta. Paulo se incomoda ainda mais: "Essa loura é uma
mala. E o cara também...".
Odete |
Aquele
olhar... Em tempos antigos, quando talvez fosse um tanto romântico,
quando algo realmente ainda os unia, poderia chamar de ternura. Se
fosse, passara com o tempo.
Afogou o pensamento num gole. Pedindo outro uísque e prestando de novo atenção à sua volta, lembrou: "A noite é uma criança..."
Um comentário:
Comentários da postagem original:
Belo texto, com gosto de quero mais. Achei as pulseiras da Odete bem sugestivas. Abç.
Oi, Guina, interessante a ideia da publicação do texto nesse formato. Acompanharei com interesse. Já comecei a curtir a leitura. Abraço. Wanderlino e Lena Jesus Ponte
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